quinta-feira, 14 de março de 2013

Certa noite


        
        Não. Nem sempre sou “assim, tão otimista.” Às vezes sinto vontade de jogar tudo pro alto e me deixar vencer pelo cansaço. Às vezes penso em abandonar tudo, desistir dos sonhos, renegar a esperança. Mandar embora de mim os duendes, as fadas, e tudo o que é encanto. Desfazer-me da fantasia e abdicar de tudo o que me faz fantasista. Penso em não mais virar a página, em deixar secar a tinta da pena.
        Certa vez tremi ao contemplar a realidade como quem penetra os olhos gélidos de uma bruxa má. Eu menino perdido no meio de uma floresta negra; assombrada por seres malévolos de instintos covardes. Monstros feios, tortos, asquerosos. Criaturas horrendas que habitam os recônditos de minha floresta chamada “medo”. Medo do que virá em seguida, medo do novo.
        Respirei fundo. Fitei com firmeza aquela bruxa silenciosa. Em uma projeção, vi na mesa as folhas em branco. Notei que a tinta ainda era fresca na ponta da pena. Ao lado um menino passava acanhado e me sorriu banguela. Parecia ter nas mãos um pouco do “pó de pirlimpimpim”; era um duende. E trouxe consigo as fadas; e trouxe consigo a fantasia; e trouxe novamente a criança vivendo em mim. Pisquei os olhos e não mais estava sentado à mesa. Estava novamente na floresta. Então percebi que a “bruxa Realidade” nem era, assim, tão má. Era, na verdade, sisuda, mas dona de um grande senso de humor. Capaz até de não raras benesses. E as criaturas que me assombravam? Bem, elas permaneciam lá, causando arrepios com seus uivos de desilusão, desesperança e desalento. Mas entendi que apenas me assombravam, e nada mais. Tomei um gole d’água e a vetusta bruxa seguiu me fitando. “Perdoe-me, senhora, mas preciso seguir o meu caminho.” Ela me sorriu cúmplice. Chegou-se para o lado e me deu passagem: “Vá em paz, meu caro menino. A ‘terra do nunca’ é logo à frente. E não esqueça. Sempre haverá um horizonte.” Foi então que despertei do sono naquela noite. Nos olhos uma lágrima. E nas mãos... um punhado de letras.

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