segunda-feira, 14 de maio de 2012

A educação além da regra.


Li e ouvi inúmeras vezes sobre a norma culta da língua e sempre achei interessante a questão do uso das Próclises, Mesóclises e Ênclises. Tentei aprender sobre todas as colocações “corretas” e sobre o que era “proibido”. De todas as regras, a que mias me impressionou (e ainda impressiona) é a famosa “nunca se usa a próclise em início de frases ou períodos. Nossa! Foi grande a minha luta contra o vício de linguagem que me impulsiona a infringir tal “lei”¹. Gramáticos e Professores de Língua Portuguesa afirmam e reafirmam sobre o erro grotesco que é escrever e falar² de tal forma. E tudo em nome da norma culta da língua.
Cresci e alimentei o escritor atrevido e inexperiente que vive em mim com essa sopa de letrinhas, onde sempre deveria perceber o certo e o errado na escrita e na fala. Em nome da norma culta, fiz-me respeitador das leis da língua, entre elas as da colocação pronominal. E cresci feliz. Todo contente por ser um “exímio cumpridor da lei”. Pobre de mim. Depois de passados mais ou menos 17 anos aprendendo que não devo começar uma frase com a próclise, porque isso é um crime à língua, dou-me ao disparate intelectual de ler Paulo Freire³. Grande foi a minha surpresa quando lia tranquilo, e de repente me deparei com uma próclise no início de uma frase. Não era possível. Reli o trecho incrédulo; minha mente só poderia estar me enganando. Afinal, o mestre jamais cometeria tal abuso à norma. Que constatação cruel ao meu espírito tão respeitador das regras: o mestre Paulo Freire realmente havia escrito “aquilo”, não uma, mas inúmeras vezes em seu texto. E se alguém duvida, fique à vontade. Leia alguma obra do autor e comprove o que digo.
O fato é que estava lá. A próclise em início de períodos escritos por Paulo Freire, um dos maiores intelectuais brasileiros de todos os tempos, e um ícone na educação. Incrédulo com o que via, formulei uma dúvida em minha mente: será que o mestre não era tão intelectual quanto se pensava, ou a norma culta não passa de um capricho dos gramáticos e professores, a fim de enlouquecer a vida dos amantes da língua? Ponderei... Ponderei muito. Entendi, finalmente, que a norma culta não é mero capricho, bem como não é uma colocação pronominal que diminuirá a grandeza do Paulo Freire. Com ou sem próclises “inadequadas” suas obras causaram grandes revoluções educacionais no Brasil e até fora dele. Isso basta.
Chego, portanto, à conclusão de que a norma culta é agradável aos olhos e ouvidos. Porém, jamais será mais importante que o pensar. Escrever e falar bem é um diferencial em tanto. Mas coordenar as ideias (e ter ideias) é indispensável ao homem. Compreendi que o mestre soubesse das regras gramaticais de sua língua, mas com certeza privilegiava o aprendizado. E nesse ponto eu concordo plenamente com ele; quem não concordaria? Sabemos que homens cultos podem chamar atenção por sua fluência verbal. Todavia, uma revolução social só é possível com pessoas educadas, preparadas para pensar. Os nossos homens cultos até conseguiram estremecer as estruturas do sistema alienador de nossa nação. Mas conseguiram pouco, porque o nosso povo não compreende sua cultura, pelo simples fato de não ser educado. Agora sou capaz de entender o porquê do Freire ter ignorado as normas: primeiro a gente educa, depois “ensina a falar (e escrever)”. Era isso o que o mestre queria. É isso o que deve querer todo cidadão que se diga educador. Faço coro nesse exército e não terei problemas em desrespeitar a norma, quando a educação for o fim desejado e sempre superior a qualquer outro fim. Grande Paulo Freire.

Deiglisson Santana
Recife, 14 de Maio de 2012

¹ Caso você não tenha percebido, acado de usa a próclise em início de período propositadamente.
² No Brasil, o uso de próclise em início de frases é um vício de linguagem muito forte, e por isso, alguns professores e gramáticos consideram “admissível” que se fale assim. Todavia, repudiam completamente que a linguagem escrita desrespeite essa regra.
³ O primeiro livro que li do autor foi A Importância do Ato de Ler (Editora Cortez).

sábado, 5 de maio de 2012

Não há como resistir a eles.


Ah, esses sujeitos “estranhos” que nos conhecem tão bem. Pessoas tão diferentes de nós e tão “pares” de nossas emoções. Os mais novos são comportados em demasia, mas basta o correr dos dias, e se tornarão as pessoas mais folgadas que já conheceu na vida. Uma hora parecem nosso pais, outra são nossos filhos. Uns parecem bobos, outros mais bobos ainda. Podem nos fazer rir e podem se fazer de fortes quando precisamos de fortaleza. E, por mais que disfarcemos, eles sempre nos deixam com cara de idiotas quando aparecem. Seja homem, mulher, ou seja o que queiram ser, não importa. Importa tão somente o sentimento nobre e forte que em nós provocam.
Quem são eles? Eles são aquelas pessoas estúpidas que nos xingam, brigam com a gente, nos apelidam com nomes patetas e causam estranheza quando nos chamam pelo nome. Sim, é sobre eles essa prosa: sobre os amigos.
Essas pessoas que chegam de mansinho, como quem não quer nada, e em certo tempo tomam nosso coração de assalto. De repente, somos invadidos por um sentimento que transcende toda explicação lógica. Então, não há mais o que se fazer; o vírus do “amor amigo” já nos há infectado. É assim o surgimento das grandes amizades.
Aliás, as grandes amizades, assim como as paixões arrebatadoras, não escolhem momento para acontecer; simplesmente acontecem. As grandes amizades, todavia, diferem em tempo das grandes paixões, porque, ao contrário destas, sua força não finda e seu sentir é imortal.