Às vezes tenho vontade de impor alarido ao som de minha alma.
Confidenciar aos ventos este segredo singular e permitir que o conduzam desde
os fins aos confins. Tornar público este amor oculto; este desejo que me faz
pertencer-te por vontade. Gostaria de dizer ao mundo a força deste calor, sem
me preocupar com as más línguas de uma decência sonsa, que mais julga do que
respeita. Mas falta-me coragem. Eu - quem diria?! - com receio de expressar emoção.
Mas tenho, sim, este temor. Porque tão forte quanto o amor que sinto é o zelo
que te tenho. Prefiro preservar-te desta verdade. Sei que talvez sintas o mesmo
- teus olhos denunciam -, mas prefiro contar com teu riso dúbio a correr o
risco de perdê-lo. Por isso não te faço saber de tudo. Dentre os leitores desta
carta, muitos, sem dúvida, dedicarão tempo e faculdades a tentar decifrar quem
és. Como são teus olhos, teu riso, teu rosto e até mesmo teu sexo. Não me
incomodo. É uma peça que prego aos curiosos. Que percam seu tempo conjecturando
sobre tua imagem; será bom para mim tal rebuliço, enquanto me deleito em tua
essência. Um pouco de mistério é bom tempero para estórias de amor. Muitos te
conhecem. Portanto, és deles também de maneira genérica - por isso permito que
tentem te decifrar; mas apenas a mim pertence o melhor de tua alma. Quero-te a
todo o momento. E quero o teu amor tão certo quanto o tenho hoje: firme, belo e
sincero. [Cúmplice]. E assim, pra não correr o risco de te perder para as
massas mexeriqueiras, prefiro dizer que te tenho amor de amigo, sentindo amor de
amante. Mas não duvide. Meu amor é verdadeiro, é puro; e será eterno enquanto dure a vida.
sexta-feira, 5 de julho de 2013
sábado, 30 de março de 2013
No meio da noite escura
Era uma noite igual a todas as outras. Tudo parecia normal... Ele, como
de costume, lia um livro de ficção na varanda dos fundos. Fazia calor e o céu
estava coberto de estrelas. Era possível ver uma porção numerosa delas. Lia
silencioso, intercalando a leitura com pequenos goles na xícara de café. Estava
atento a cada nuança, cada movimento das personagens. Nada passava despercebido
a seus olhos de leitor voraz. Seria uma leitura fascinante, se ele não sentisse
aquilo... O livro que tinha nas mãos emanava boas emoções e uma ternura
profunda. Mas ele não conseguia ver além da tinta no papel. Lia, mas não sentia
a estória... Escolhera aquele livro depois de tanto tempo porque esperava reencontrar
nele o encantamento perdido desde que tudo aconteceu... Há um ano seu sorriso desbotara
ao sal de uma lágrima. Não sorria por completo desde então. Na verdade, nunca
mais rira...
Aconteceu de repente...
O menino brincava na praça. Eram cerca de vinte horas e a noite estava
agradável. Não fazia calor, nem frio, mas um clima gostoso de primavera. Era
véspera do dia das crianças e as famílias decidiram fazer uma festa no parque
para celebrar a alegria e ternura que os pequenos traziam a suas vidas. Ele
hesitou um pouco em participar, porque o Artur era seu único filho e sofrera
com sopro no coração quando tinha cinco anos de idade. Desde então o garoto viva
sob cuidados redobrados. Temia que entre uma atividade e outra sua respiração
parasse e tivesse de ser socorrido às pressas. Mas amava o menino. Faria o que
fosse preciso para vê-lo sorrir contente. Ponderou bastante e acabou cedendo,
porque sabia que não poderia privar uma criança de brincar. No mais, ele estaria
atento a tudo. Onde quer que o menino fosse, iria também. Sentou-se em um banco
para ver melhor o filho, que agora brincava de pega com outras crianças. Entre
uma arrancada e outra o pequeno Artur olhava para o pai e acenava sorrindo. - Como
era doce aquela criança... Sentia saudade da mãe, que o abandonara ainda bebê,
mas encontrava no pai o carinho e amor necessários ao seu coração tão frágil,
mas tão cheio de ternura... - O pai retribuía os acenos com piscadelas e um
sorriso cúmplice... Foi então que tudo aconteceu... O garoto sentiu um pouco de
tontura e parou para respirar. Esboçou um pedido de ajuda mal sucedido. Estava
sem ar, sentiu a vista esmorecer e desmaiou. Levou menos de quinze segundos até
que estivesse nos braços do pai. As crianças choravam assustadas com o que
viam, enquanto os adultos lamentavam a triste sorte do homem que vira o filho
desmaiar quase morto. Cerca de trinta minutos depois, uma ambulância chegou ao
local e levou o menino para o hospital mais próximo. Durante o trajeto os
paramédicos tentavam, sem sucesso, reanimar o garoto. Massagens cardíacas, desfibrilação...
Tudo o que poderia ser feito foi tentado... No hospital, levaram-no
imediatamente para a UTI e fizeram alguns exames. Após longa espera o médico
finalmente apareceu para dar notícias ao pai aflito: a criança não morrera, mas
estava em coma profundo...
Um ano havia se
passado... Todos os dias ele dava um jeito de ver o filho. O quarto do menino estava
cheio de flores, presentes e cartões dos amigos da escola, da rua, e dos
parentes mais próximos. Era uma pena que não pudesse sentir a comoção em torno
de si. Um ano e nenhuma melhora significativa... Mas o pai acreditava que algo
pudesse mudar. Não se importava em gastar todo o dinheiro que tinha. Enquanto
pudesse manter aquele fio de esperança, faria o que fosse preciso para ter seu
filho novamente aos braços...
Ele lia disperso quando
algo chamou sua atenção. Notou que a noite estava mais clara. Ouviu ruídos, sussurros.
Pareciam vozes de crianças sapecas. Os meninos brincavam na praça, mas essas
vozes não eram as deles. Parecia música... Depositou o livro na mesinha de
centro, foi até o parapeito da varanda e olhou para cima. Ficou boquiaberto com
o que viu. Era incrível! Jamais imaginou que coisas como aquela pudessem
acontecer. Chegou a se perguntar se mais alguém via o que ele via. O fato é que
estava sozinho na sacada, e, bem à frente de seus olhos, no céu, as estrelas brilhavam
como nunca antes. E não apenas brilhavam com força; mas pareciam dançar.
Dançavam ao som de uma música desconhecida, porém encantadora. Que música!
Quanto mais olhava as estrelas, mais se deixava assombrar pela visão. As
constelações se moviam de forma organizada, como se seguissem passos de uma
coreografia, ou braçadas um regente. Era mesmo impressionante... Não sabia se
era real, ou se estava delirando. A única certeza que tinha era a de que jamais
esqueceria aquele momento...
De repente, as estrelas
pararam a dança. Voltaram ao seu lugar e tudo silenciou novamente. Sem entender
ele continuou olhando para cima, confuso. Mas tudo o que via agora era um céu
comum, sem estrelas brilhantes, sem vozes de música, sem risos... Baixou os
olhos e sentiu uma lágrima salgar seus lábios. Lembrou-se do filho que
completava dez anos naquela noite e lamentou profundamente a dor de sua
saudade. Deixou-se cair ao chão frio e finalmente se permitiu chorar pela culpa
que o oprimia havia um ano. Julgava-se réu pelo estado do filho e acabou
deixando a mágoa sufocar o amor que sentia. Pranteou por minutos ininterruptos;
tempo suficiente para que as estrelas voltassem a rir. Ainda com os olhos encharcados
voltou a elevar a cabeça. Estranhou o que viu. Embora ouvisse o som dos risos,
notou que as estrelas não dançavam. Elas brilhavam ainda mais forte que antes,
mas se movimentavam em uma mesma direção. Todas paravam ao redor da lua, onde
ficavam imóveis... Foi então que notou de onde vinha a música... Sentado em uma
nuvem, um menino tocava algo parecido com uma flauta. Ao perceber que era
observado, o garoto parou de tocar e fitou aquele homem. Ele era encantador.
Sua pele branca era pintadinha com sardas. Tinha os cabelos dourados. Vestia um
macacão impecavelmente branco, sob um manto de azul deslumbrante. Seus olhos
eram imensos e seu olhar, penetrante. Ainda em silêncio o menino levou a mão ao
bolso, de onde tirou um saquinho dourado. Do saquinho tirou um punhado de pó, e
com um movimento leve o soprou de sua mão. O homem, perplexo, sentiu uma brisa
envolvê-lo ternamente enquanto uma voz de anjo sussurrava em seu ouvido:
--"... Tu porém terás estrelas como ninguém nunca as teve. [...] Quando
olhares o céu à noite, eu estarei habitando uma delas, e de lá estarei rindo;
então será, para ti, como se todas as estrelas rissem! Dessa forma, tu, e
somente tu, terás estrelas que sabem rir!"¹
Ele sentiu o coração
aquecido e não tentou conter o choro remanescente. Uma lágrima pesou no olho
esquerdo, e percorreu sua face iluminada até se desfazer nos lábios. Novamente
olhou para menino e notou que agora ele sorria... O principezinho guardou o
saquinho no bolso e voltou a tocar sua música, enquanto as estrelas dançavam
risonhas...
Mais tarde, a alguns
quilômetros dali, um menino olhava as estrelas dançantes e sorria encantado...
Acabara de acordar de uma longa noite de sono e ansiava por rever seu pai.
¹ Extraído d'O Pequeno Príncipe, de Saint-Exupèry.
quinta-feira, 14 de março de 2013
Certa noite
Não. Nem sempre sou “assim, tão
otimista.” Às vezes sinto vontade de jogar tudo pro alto e me deixar vencer
pelo cansaço. Às vezes penso em abandonar tudo, desistir dos sonhos, renegar a
esperança. Mandar embora de mim os duendes, as fadas, e tudo o que é encanto. Desfazer-me
da fantasia e abdicar de tudo o que me faz fantasista. Penso em não mais virar
a página, em deixar secar a tinta da pena.
Certa vez tremi ao contemplar a
realidade como quem penetra os olhos gélidos de uma bruxa má. Eu menino perdido
no meio de uma floresta negra; assombrada por seres malévolos de instintos
covardes. Monstros feios, tortos, asquerosos. Criaturas horrendas que habitam
os recônditos de minha floresta chamada “medo”. Medo do que virá em seguida, medo
do novo.
Respirei
fundo. Fitei com firmeza aquela bruxa silenciosa. Em uma projeção, vi na mesa
as folhas em branco. Notei que a tinta ainda era fresca na ponta da pena. Ao
lado um menino passava acanhado e me sorriu banguela. Parecia ter nas mãos um
pouco do “pó de pirlimpimpim”; era um duende. E trouxe consigo as fadas; e
trouxe consigo a fantasia; e trouxe novamente a criança vivendo em mim. Pisquei
os olhos e não mais estava sentado à mesa. Estava novamente na floresta. Então
percebi que a “bruxa Realidade” nem era, assim, tão má. Era, na verdade,
sisuda, mas dona de um grande senso de humor. Capaz até de não raras benesses.
E as criaturas que me assombravam? Bem, elas permaneciam lá, causando arrepios
com seus uivos de desilusão, desesperança e desalento. Mas entendi que apenas
me assombravam, e nada mais. Tomei um gole d’água e a vetusta bruxa seguiu me
fitando. “Perdoe-me, senhora, mas preciso seguir o meu caminho.” Ela me sorriu
cúmplice. Chegou-se para o lado e me deu passagem: “Vá em paz, meu caro menino.
A ‘terra do nunca’ é logo à frente. E não esqueça. Sempre haverá um horizonte.”
Foi então que despertei do sono naquela noite. Nos olhos uma lágrima. E nas mãos... um punhado de
letras.
terça-feira, 19 de fevereiro de 2013
Diante do Espelho
Quando o altruísmo ultrapassa os limites do possível o ego
nos convida a um acesso de realidade. Põe-nos face a face com nós mesmos, em um
reflexo de nosso eu, diante de um espelho por desuso empoeirado. Somos invadidos por uma onda de necessário egoísmo e um olhar mais cuidadoso
sobre nós revela mazelas unicamente nossas, das quais precisamos cuidar com zelo. De volta ao estado de contemplação do reflexo no espelho vemos um ser
que nos olha silencioso. Em seus olhos apenas um apelo mudo: "cuide também de mim." E
o choro nos traz de volta.
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