Li e ouvi
inúmeras vezes sobre a norma culta da língua e sempre achei
interessante a questão do uso das Próclises, Mesóclises e
Ênclises. Tentei aprender sobre
todas as colocações “corretas” e sobre o que era “proibido”.
De todas as regras, a que mias me impressionou (e ainda impressiona)
é a famosa “nunca se usa a próclise em início de
frases ou períodos. Nossa! Foi
grande a minha luta contra o vício de linguagem que me impulsiona a
infringir tal “lei”¹.
Gramáticos e Professores de Língua Portuguesa afirmam e reafirmam
sobre o erro grotesco que é escrever e falar² de tal forma. E tudo
em nome da norma culta da língua.
Cresci
e alimentei o escritor atrevido e inexperiente que vive em mim com
essa sopa de letrinhas, onde sempre deveria perceber o certo e o
errado na escrita e na fala. Em nome da norma culta, fiz-me
respeitador das leis da língua, entre elas as da colocação
pronominal. E cresci feliz. Todo contente por ser um “exímio
cumpridor da lei”. Pobre de mim. Depois de passados mais ou menos
17 anos aprendendo que não devo
começar uma frase com a próclise, porque isso é um crime à
língua,
dou-me ao disparate intelectual de ler Paulo Freire³. Grande foi a
minha surpresa quando lia tranquilo, e de repente me deparei com uma
próclise no início de uma frase. Não era possível. Reli o trecho
incrédulo; minha mente só poderia estar me enganando. Afinal, o
mestre jamais cometeria tal abuso à norma. Que constatação cruel
ao meu espírito tão respeitador das regras: o mestre Paulo Freire
realmente
havia escrito “aquilo”, não uma, mas inúmeras vezes em seu
texto. E se alguém duvida, fique à vontade. Leia alguma obra do
autor e comprove o que digo.
O
fato é que estava lá. A próclise em início de períodos escritos
por Paulo Freire, um dos maiores intelectuais brasileiros de todos os
tempos, e um ícone na educação. Incrédulo com o que via, formulei
uma dúvida em minha mente: será que o mestre não era tão
intelectual quanto se pensava, ou a norma culta não passa de um
capricho dos gramáticos e professores, a fim de enlouquecer a vida
dos amantes da língua? Ponderei... Ponderei muito. Entendi,
finalmente, que a norma culta não é mero capricho, bem como não é
uma colocação pronominal que diminuirá a grandeza do Paulo Freire.
Com ou sem próclises “inadequadas” suas obras causaram grandes
revoluções educacionais no Brasil e até fora dele. Isso basta.
Chego,
portanto, à conclusão de que a norma culta é agradável aos olhos
e ouvidos. Porém, jamais será mais importante que o pensar.
Escrever e falar bem é um diferencial em tanto. Mas coordenar as
ideias (e ter ideias) é indispensável ao homem. Compreendi que o
mestre soubesse das regras gramaticais de sua língua, mas com
certeza privilegiava o aprendizado. E nesse ponto eu concordo
plenamente com ele; quem não concordaria? Sabemos que homens cultos
podem chamar atenção por sua fluência verbal. Todavia, uma
revolução social só é possível com pessoas educadas, preparadas
para pensar. Os nossos homens cultos até conseguiram estremecer as
estruturas do sistema alienador de nossa nação. Mas conseguiram
pouco, porque o nosso povo não compreende sua cultura, pelo simples
fato de não ser educado. Agora sou capaz de entender o porquê do
Freire ter ignorado as normas: primeiro a gente educa, depois “ensina
a falar (e escrever)”. Era isso o que o mestre queria. É isso o
que deve querer todo cidadão que se diga educador. Faço coro nesse
exército e não terei problemas em desrespeitar a norma, quando a
educação for o fim desejado e sempre superior a qualquer outro fim.
Grande Paulo Freire.
Deiglisson
Santana
Recife,
14 de Maio de 2012
¹ Caso
você não tenha percebido, acado de usa a próclise em início de
período propositadamente.
² No
Brasil, o uso de próclise em início de frases é um vício de
linguagem muito forte, e por isso, alguns professores e gramáticos
consideram “admissível” que se fale assim. Todavia, repudiam
completamente que a linguagem escrita desrespeite essa regra.
³ O
primeiro livro que li do autor foi A
Importância do Ato de Ler
(Editora Cortez).